Prevenção da pneumonia em idosos saudáveis: o que fazer?
Dra. Silvia Bardella Marano (SBIM 2015)
A maior parte das pessoas ao adoecer não necessita de internação nem de procedimentos de alta complexidade, recuperando-se em alguns dias ou semanas. Alguns indivíduos, no entanto, mesmo que previamente saudáveis, por circunstâncias temporais ou individuais, são mais suscetíveis a complicações, que podem resultar em hospitalizações e eventualmente, morte.
Nesse contexto, as vacinas têm se mostrado importante ferramenta de promoção de saúde pública e individual, auxiliando grupos mais propensos às complicações a não adoecer e consequentemente ter melhor qualidade de vida.
A doença pneumocócica é um clássico exemplo dessa situação. Com a característica de acometer principalmente os dois extremos da idade, ou seja, menores de 2 anos e maiores de 60, o pneumococo representa grande preocupação quando se apresenta como doença invasiva.
Estudos demonstram que o risco de doença pneumocócica em adultos saudáveis entre 18 e 34 anos é de 3,8 casos para cada 100.000 habitantes. Idosos com mais de 60 anos apresentam risco dez vezes maior, ou seja, as taxas de incidência passam para 36,4 casos para cada 100.000 habitantes.
Em 2014, nos Estados Unidos, as pneumonias pneumocócicas acometeram cerca de 175 mil pessoas. Aproximadamente 36% adquiriram a infecção na comunidade e 50% em hospitais, decorrente de internações por outras patologias, e de 5% a 7% dos casos resultaram em óbito.
O pneumococo é um dos agentes mais frequentemente causadores de pneumonias adquiridas na comunidade (PAC), e aproximadamente 20% dos pacientes com pneumonia pneumocócica desenvolvem infecção da corrente sanguínea.
As bacteremias por pneumococo representaram em 2014, nos Estados Unidos, mais de 50 mil casos entre menores de 2 e maiores de 65 anos, e cerca de 20% a 60% dos idosos com doença invasiva morreram. Se consideradas as meningites pneumocócicas, as sequelas neurológicas são frequentes e as taxas de óbito chegam de 60% a 80% nessa faixa etária.
Estudos mais recentes têm demonstrado também que a infecção pneumocócica pode desestabilizar placas de ateroma, levando o paciente ao primeiro episódio de doença isquêmica cardíaca. Outros estudos demonstram que o pneumococo apresenta fatores de cardiotoxicidade, que geram microlesões no músculo cardíaco, contribuindo para a disfunção cardíaca e oferecendo risco de morte súbita no primeiro ano pós-infecção pneumocócica.
Sabe-se que as vacinas não cobrem todos os sorotipos e, mesmo para aqueles contemplados pelas vacinas, o grau de proteção é variável. Sistemas integrados de vigilância epidemiológica e redes de laboratórios foram criados em todo o mundo, permitindo conhecer os principais sorotipos e avaliar se a vacina que se pretende utilizar é adequada ou não para determinada região e se há ou não emergência de sorotipos resistentes a antibióticos.
Desde 2007, o Brasil, em parceria com Centers for Disease Control and Prevention (CDC), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Instituto Sabin e Pneumo ADIP (Pneumococcal Vaccines Accelerated Development and Introduction Plan) do GAVI (Global Alliance for Vaccines and Immunization) da Universidade de John Hopkins, vem construindo uma base de dados para vigilância do pneumococo, o que auxilia a definir quais são os sorotipos mais frequentes no país. Recente levantamento de dados no Brasil revelou que os 13 sorotipos contidos na vacina pneumocócica conjugada 13-valente (VPC13V) são responsáveis por 50% dos casos sorotipados pela vigilância laboratorial.
Os dados do SIREVA II, publicados em 2012, para Streptococcus pneumoniae, mostraram que os sorotipos mais frequentes identificados em adultos com mais de 60 anos foram 3, 12F, 14, 23F, 19A, 5, 7F e 8, em ordem de frequência, dos quais seis estão contidos na VPC13.
Agente etiológico
O Streptococcus pneumoniae é uma bactéria Gram-positiva, com mais de 90 sorotipos já identificados. De oito a 13 sorotipos são causadores de 60% a 80% das doenças pneumocócicas, cuja infecção pode manifestar-se de várias maneiras, como otites, sinusites, pneumonias, meningites e bacteremias em todas as idades. Em adultos, o pneumococo causa predominantemente PAC e bacteremias.
Os sorotipos são determinados pela composição dos polissacárides presentes na cápsula e possuem propriedades químicas e antigênicas que desencadeiam imunidade sorotipo específica. Doença e gravidade variam em função do sorotipo envolvido e do status imunológico do hospedeiro. É uma patologia que predomina no inverno, associada ao período de maior circulação viral.
Fatores de risco
• Idade: menores de 2 e maiores de 60 anos;
• Doenças crônicas em adultos imunocompetentes: doenças cardíaca, pulmonar, renal e hepática, diabetes, fístula liquórica e implante coclear;
• Câncer hematológico ou sólido;
• Imunocomprometidos: HIV, asplenia anatômica ou funcional, imunodeficiências primárias, quimioterapia, corticoterapia, transplantados;
• Relacionados ao estilo de vida: tabagismo, etilismo, estado nutricional, condições socioeconômicas, contato com crianças pequenas e saúde dental.
As vacinas pneumocócicas licenciadas para adultos no Brasil são de dois tipos, conforme a seguir.
Vacina pneumocócica polissacarídica 23 (VPP23V)
Foi uma das primeiras vacinas desenvolvidas para o pneumococo. No Brasil, desde 1992 é disponibilizada nos Centros de Referências para Imunobiológicos Especiais (CRIEs) para pacientes de alto risco, e desde 1999 para adultos com mais de 60 anos que vivem em ambientes de risco, como asilos e hospitais (institucionalizados).
Contém 25 mg de cada sorotipo relacionados: 1, 2, 3, 4, 5, 6B, 7F, 8, 9N, 9V, 10A, 11A, 12F, 14, 15B, 17F, 18C, 19F, 19A, 20, 22F, 23F e 33F.
Características
• Eficaz na prevenção de doença pneumocócica invasiva (DPI) em jovens. A prevenção da DPI nos idosos é assunto controverso, embora alguns estudos relatem proteção ao redor de 50% a 80% para as formas invasivas;
• Menor eficácia nas pneumonias comunitárias em idosos;
• Menor eficácia em imunocomprometidos;
• Não erradica pneumococo da nasofaringe, portanto, não gera proteção de rebanho;
• Proteção de curta duração;
• Fenômeno da hiporresponsividade – estudos demonstram que, com vacinas polissacarídicas, quanto maior o número de doses pior a resposta imunológica.
Vacina pneumocócica conjugada 13 valente (VPC13V)
Contém 2,2 µg de sacarídeo dos sorotipos: 1, 3, 4, 5, 6A, 7F, 9V, 14, 18C, 19A, 19F e 23F; e 4,4 µg de sacarídeo do sorotipo 6B. Possui 12 sorotipos em comum com VPP23.
Os sorotipos 6A, contido na VPC13, e 19A, contido em ambas, são importantes por estarem frequentemente associados com resistência à penicilina. Em alguns estudos comparativos, a VPC13V possui melhor resposta anticórpica aos sorotipos comuns à VPP23V.
Características
• Eficaz na prevenção da doença pneumocócica invasiva para todas as idades;
• Redução de estado de portador para até 97%;
• Erradica pneumococo da nasofaringe, portanto, gera proteção de rebanho, protegendo indiretamente grupos não vacinados;
• Possibilita reforços, pois não apresenta fenômeno da hiporresponsividade;
• Produz memória imunológica prolongada pela participação dos linfócitos T na resposta imune.
Estudo CAPiTA
O estudo CAPiTA, recentemente realizado na Holanda, avaliou, por meio de um dos maiores ensaios prospectivos já realizados, a eficácia da VPC13V na prevenção de PAC em adultos com 65 anos ou mais.
No estudo randomizado, duplo-cego, com tempo de seguimento de quase quatro anos, foram envolvidos cerca de 85 mil participantes. Foram analisados e considerados os seguintes objetivos e resultados de eficácia para sorotipos vacinais:
• Objetivo primário:
– Demonstrar eficácia da VPC13V na prevenção de um primeiro episódio de PAC causada pelos sorotipos vacinais (inclui PAC invasiva e não invasiva). Resultado de eficácia: 45,56%;
• Objetivos secundários:
– Demonstrar eficácia da VPC13V na prevenção de um primeiro episódio de PAC pneumocócica causado pelos sorotipos vacinais (somente PAC não invasiva). Resultado de eficácia: 45%;
– Demonstrar eficácia da VPC13V na prevenção de um primeiro episódio de DPI, com ou sem pneumonia. Resultado de eficácia: 75%.
A VPC13V mostrou, com relação aos sorotipos vacinais, eficácia de 75% para DPI considerando-se todas as idades e, nos menores de 75 anos, a eficácia chegou a 84%, mostrando que quanto menos idade, melhor a resposta à vacina. Imunogenicidade igual ou superior foi observada quando VPC13V foi dada antes da VPP23V.
A imunogenicidade induzida pela VPC13V comparada com VPP23V foi evidenciada, em outros estudos, pela mensuração da resposta anticórpica pelo ensaio de opsonofagocitose (OPA) e pela mensuração média de títulos de anticorpos pelo método Elisa.
No Brasil, segundo dados do Instituto Adolfo Lutz, 51% da DPI dos adultos são causadas pelos sorotipos contidos na VPC13V e aproximadamente 78% da DPI são causadas pelos sorotipos contidos na VPP23V.
Os eventos adversos da VPC13V versus VPP23V foram analisados por seis estudos randomizados com aproximadamente 6 mil adultos imunocompetentes e não houve diferença significativa quanto à frequência de eventos adversos sistêmicos entre as duas vacinas.
Com relação aos eventos adversos locais, a VPC13V apresentou mais queixas de dor, vermelhidão e edema no local da injeção com limitação do movimento no braço da aplicação.
Recomendações SBIm
Com base nessas informações, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) recomenda que adultos com idade maior ou igual a 60 que nunca receberam vacina pneumocócica iniciem o esquema vacinal pela VPC13V e, após seis meses a um ano, recebam uma dose de VPP23V. Cinco anos após a primeira dose da VPP23V, administrar uma segunda e última dose da VPP23V.
Pacientes que aos 60 anos ou mais tenham recebido uma dose de VPP23V devem receber após um ano ou mais a VPC13V, e, após cinco anos da última dose da VPP23V, uma nova dose de VPP23V.
Pacientes que aos 65 anos ou mais já tenham recebido duas doses prévias de VPP23 devem receber, após um ano da última dose de VPP23V, a VPC13V.
Exceção
Para aqueles que já receberam duas doses de VPP23V antes dos 65 anos de idade, recomenda-se fazer uma dose de VPC13V (pelo menos um ano após a última VPP23V) e uma terceira dose de VPP23V pode ser feita nestes casos. Respeitar o intervalo de seis a 12 meses quando VPC13V for seguida pela VPP23V e cinco anos entre doses de VPP23V.
Conclusão
Apesar dos avanços médicos – incluindo a maior disponibilidade de terapia antimicrobiana potente, a melhora dos cuidados médicos e de enfermagem e até mesmo a criação de unidades de terapia intensiva avançadas – a mortalidade por pneumonia pneumocócica, bacteriêmica ou não, permanece inaceitavelmente alta.
A alternativa de vacinar esses grupos surge como uma ferramenta indispensável à prevenção da doença e é recomendada por várias sociedades médicas, além da SBIm, como as Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Pneumologia e Geriatria, cujas diretrizes são embasadas em documentos mundialmente aceitos.
Não se pode perder as oportunidades vacinais que se apresentam. Nas consultas de rotina, na alta hospitalar e em salas de vacinação quando avós acompanham os netos, o indivíduo está mais sensibilizado a receber orientações sobre prevenção e é extremamente importante o médico ou o profissional da saúde que os atende informar sobre a relevância da prevenção e a existência de vacinas para esta faixa etária.
Nota
Em 4 de setembro de 2015, o Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR) publicou as novas recomendações do Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) para uso sequencial das vacinas pneumocócicas conjugada e polissacarídica para adultos imunocompetentes ≥ 65 anos.
Os intervalos recomendados pelo ACIP entre VPC13V e VPP23V, quando administradas em série, diferem de acordo com idade, número de doses prévias, fator de risco e ordem em que as duas vacinas são dadas. As recomendações para outros grupos de risco permaneceram inalteradas.
A nova recomendação refere-se apenas aos adultos imunocompetentes e visa a simplificar e harmonizar os intervalos recomendados.
As razões dessa mudança basearam-se em oito estudos comparando a resposta imune de adultos saudáveis ≥ 50 anos que receberam VPC13V e VPP23V em sequência e que demostraram que (a) intervalos mais curtos podem ser associados a maior reatogenicidade local; (b) intervalos mais longos melhoram a resposta imune para sorotipos comuns às duas vacinas quando comparadas com doses únicas de cada uma das vacinas isoladamente; e finalmente (c) unificando os intervalos entre ambas as vacinas facilita-se a adesão do paciente ao esquema, de modo que o retorno ao médico coincida com a data de recomendação da outra vacina.
Portanto, para adultos imunocompetentes o intervalo recomendado pelo ACIP desde junho de 2015 passa a ser ≥ 1 ano, tanto de VPC13V para a VPP23V como de VPP23V para a VPC13V.
Artigo publicado no Livro Controvérsias em Imunizações 2015
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